segunda-feira, setembro 17, 2007

O QUE ME ESCANDALIZA by Janer Cristaldo

Escrevi outro dia que os escândalos políticos não me chocam. Política, pelo menos neste Brasil, sempre foi atividade mais ou menos suja. O que há de novo é que, nestes dias de PT, assumiu um grau de extrema imundície. Nada mais previsível, quando os herdeiros do velho comunismo chegam ao poder.

O que me escandaliza, isto sim, é o calote dos precatórios. A União deve estar me devendo hoje, por baixo, um milhão de reais. Eram os precatórios devidos desde 1988 à minha mulher, que morreu em 2003 - 15 anos depois - sem ver a cor daquilo a que tinha direito. Herdei esses precatórios e tampouco vi cor de dinheiro algum. Estou certo de que morrerei sem vê-la. O crédito será herdado por minha filha e não tenho esperança alguma de que ela os receba. São precatórios alimentares já transitados em julgado, aos quais não cabem mais recursos, e que estão em fase de execução. Mas a União não paga e fim de papo.

Não é porque a União esteja endividada comigo que me escandalizo. Fosse só eu a ser caloteado pela União, atribuiria isso a alguma brincadeira do Estado ou dos deuses, que deviam estar aborrecidos comigo. As razões de meu escândalo são outras. Leio em editorial do Estadão de hoje que o volume de dívidas judiciais estaduais e municipais é superior a R$ 62 bilhões. (Até aí, o jornal não fala dos precatórios da União). Os maiores devedores são o Estado de São Paulo, com um débito de R$ 12,9 bilhões, e a prefeitura de São Paulo, com um débito de R$ 10,8 bilhões. Estão na fila de credores desses dois entes governamentais mais de 485 mil pessoas, das quais 85% têm direito a valores inferiores a R$ 15 mil.

Não é o Renan, o Zé, o Juca, o Pedro que caloteiam. É a União, os Estados e os municípios. São entes de direito que deveriam ser os garantes da lei. Na hora de arrecadar, União, Estados e municípios são implacáveis. Você não precisa nem sonegar. Basta cometer um lapso em sua declaração e cai irremediavelmente na malha fina. Pior ainda. Digamos que você, em um gesto de desobediência civil, queira deliberadamente sonegar, pois considera que o Estado não lhe dá nada de volta em retribuição ao que lhe toma. Se for assalariado, você não tem nem chance de sonegar. Antes de receber seu salário, a parte do Estado já foi retida.

A nota do Estadão nos fala de um universo de 485 mil pessoas, e isso apenas no que se refere a dívidas de Estados e prefeituras. Na maior parte gente humilde, para as quais dez ou quinze mil reais seriam uma mão na roda. Mas que certamente morrerão ser ter essa mão na roda. Calheiros, o calhorda, andou apresentando um projeto de leilão de precatórios. Ou seja, você vende o seu por uns dez ou vinte por cento do valor total. Muita gente já avançada em idade ou em situação de desespero toparia a proposta. Melhor dez ou vinte por cento do que nada. E assim fica legalizado o calote.

Que autoridade moral tem o Estado para reclamar de inadimplência dos contribuintes, de trabalho informal, contrabando ou pirataria? Como pode um Estado que caloteia - e caloteia com convicção - exigir honestidade de seus cidadãos? Como pode alguém acreditar que o Brasil seja um dia um país decente, quando a própria União é descaradamente indecente? Entendo ser roubado por um assaltante, por um vigarista. Difícil de entender é ser roubado por meu próprio país.

Imagine se você propuser fazer um leilão de seus impostos não pagos. Diga a União que você se dispõe a pagar, prazerosamente, uns vinte por cento do que lhe deve. O Leão vai morrer de rir.